O Brasil possui cerca de 4 milhões de pessoas transgêneras ou não binárias, segundo IBGE (2020), cuja expectativa de vida é de 35 anos, conforme dossiê Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Os dados foram debatidos durante a Audiência Pública sobre a habilitação de Ambulatórios de Saúde da População Transgênero, nesta manhã de quarta-feira (16/08), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O debate foi proposto pelo deputado estadual Pepe Vargas, na Comissão de Saúde e Meio Ambiente. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul existem 15 centros especializados. No entanto, relatos apresentados das Associações e Organizações de Defesa dos Direitos das Pessoas Trans, os ambulatórios não estão fazendo a dispensa dos medicamentos e também não estão sendo oferecidos nas farmácias do Estado. “O alto custo destes medicamentos no mercado levam à descontinuidade do tratamento, acarretando problemas de saúde física, mental e emocional a esta população”, lamentou o deputado Pepe Vargas.
Na análise do deputado Pepe Vargas, a execução das políticas devem ser coordenadas pelos Estados em parceria com os municípios e estabelecimentos de saúde. Pepe destacou que há muito o que percorrer para assegurar os direitos da população Trans. Essa luta levou o estado brasileiro à elaboração de políticas públicas voltadas à população Trans, porém foram descontinuadas e, em algumas regiões do país, praticamente extintas nos últimos governos. O parlamentar apontou que, em média, o tempo de espera para uma consulta especializada pela população transgênero é de 2 mil dias, ou seja, cerca de 5 anos. “Há tempo de espera para todos, mas o acesso aos serviços de saúde mental e transexualizador é disparado o maior tempo de espera. Os gestores precisam ter um olhar específico”, declarou.
A presidente da Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul – Igualdade, Marcelly Malta, confirmou o longo tempo de espera no SUS. “Há casos de espera de mais de oito anos por uma mastectomia”, afirmou. Marcelly destacou a falta de sensibilidade e preparo dos profissionais da área da saúde para atender a população Trans. “Recebemos reclamações, todos os dias, das travestis discriminadas em postos de saúde e no próprio ambulatório trans, ou deixando de ser atendidas”, revelou. Para a presidente da Igualdade, a abertura do Ambulatório Trans em Porto Alegre foi uma conquista, no entanto, precisa ser aprimorada e expandida. Ela defendeu a regionalização dos serviços, para atender população do interior. Além disso, destacou a necessidade de habilitar novos hospitais para a realização do procedimento cirúrgico.
Inara Beatriz Ruas, vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde, apontou um avanço tímido nos últimos anos. “Mas o acesso já é negado pela falta de acolhimento que se dá já na chegada ao serviço de saúde”. Hoje no Estado são sete macrorregiões, 30 regiões de saúde e 18 coordenadorias. “Infelizmente não é possível ter um ambulatório trans nos 497 municípios, mas é preciso que pelo menos se tenha nas regiões de saúde ou no mínimo nas sete macrorregiões”, defendeu. Inara também lembrou que a expectativa de vida dessa população é baixa. “É revoltante porque é a população mais submetida a violência que eu conheço”.
A conselheira estadual LGBT, Cleo Araujo, criticou o fato da segunda maior cidade do Estado, Caxias do Sul, não abrigar um ambulatório Trans, o que leva a busca pelos serviços em Porto Alegre. “Nossos direitos, expressos na carta dos usuários do SUS, são negados. Desde 2017 são 42 pessoas aguardando o início do tratamento hormonal, fase que leva 2 anos”, relatou.
A boa notícia anunciada por Cleo é que o ambulatório de Caxias do Sul está para sair do papel, mas graças a recursos de emendas parlamentares. “Devia ser uma política pública de Estado e não depender de recursos de emendas”, criticou. Cleo ainda “propôs” a universalização do cartão SUS, respeitando o nome social, a dispensação de medicamentos nas Unidades Básicas de Saúde para hormonoterapia, habilitação de ambulatórios ao nível de estado e município.
Profissional da saúde, a enfermeira e representante do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), Bruna Engelmann demonstrou preocupação com a falta de empatia dos profissionais da saúde no acolhimento da população Trans. Ela acredita que a ausência de uma formação humanista e orientadora neste sentido seja um complicador. “Não é viável um Ambulatório Trans em todos os municípios, mas as pessoas merecem ser atendidas com dignidade, nós sabemos, por exemplo, as reações causadas pelos medicamentos, o que exige uma equipe que dê suporte emocional e psicológico”, garantiu.
O diretor estadual da Diversidade Sexua do Rio Grande do Sul, Daniel Silva Morethson, revelou que hoje existe uma coordenadoria sem orçamento, mas que procura avançar em políticas púbicas. “Conta com seis pessoas. Viemos avançando, plantando uma semente. Sempre debatemos e de fato agora nós fazemos políticas públicas”, disse. Morethson destacou os avanços como a criação da delegacia de combate à intolerância, o decreto que cria a rede de proteção, com pacto em cidadania, fazendo com que os municípios adiram às políticas públicas e também esclarecendo que o Rio Grande é o primeiro estado a criar cotas para a população de travestis e transexuais no serviço público.
O conselheiro do Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBT, Caio Klein, da ONG SOMOS, ressaltou que o atendimento à população Trans vai além do processo transexualizador. “Os Ambulatórios são espaços essenciais, mas é primordial a inclusão dessa população na Atenção Básica”, disse. Klein sugeriu habilitar novos ambulatórios no interior, fortalecer a políticas de saúde da população LGBT e estimular a criação de um protocolo de hormonização.
Mulher trans, de corpo político travesti, a vereadora Regininha do município Rio Grande, apontou avanços nos cuidados da saúde da população trans, mas destacou a necessidade de habilitação de mais hospitais para realização de procedimentos cirúrgicos, a garantia do atendimento permanente e a conclusão de todas as etapas do processo de transição. “Quando iniciamos o ambulatório municipal, em 2018, recebemos uma mulher Trans, do município de Vitória, que consulta no Hospital de Clínicas, e na fase final do tratamento recebeu a negativa da cirurgia e o que a levou a automutilação”, contou.
Já o coordenador técnico da ONG Aids no Rio Grande do Sul, Rubens Raffo, solicitou um olhar à população Trans idosa, com a criação de programas e políticas públicas para eles. “Não casas de apoio para essa população, muitas vezes obrigadas a regredir na sua identidade, negar a sua sexualidade, para serem aceitas em lares”, contou.
A audiência, conduzida pelo presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, Neri o Carteiro, contou ainda com a presença da deputada Luciana Genro.