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Deputado propõe audiência pública para debater Transgeneridade, saúde mental e inclusão

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Pepe Vargas

Em audiência pública virtual realizada na manhã desta quinta-feira (16), pela Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, ativistas do movimento LGBTQIA+ discutiram os avanços e retrocessos nos temas da transgeneridade, saúde mental e inclusão. A partir da fala inicial da presidente do Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBT, Cleonice Felix de Araújo, o deputado Pepe Vargas (PT), que propôs o debate, comprometeu-se a encaminhar um pedido de audiência entre o governador Eduardo Leite e representantes do movimento.

“Hoje, no estado do Rio Grande do Sul, estamos tendo um desmonte total dos movimentos sociais e dos conselhos”, disse Cleonice, que recentemente assumiu cadeira na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. “Até hoje, não conseguimos agendar uma audiência com o governador para levar nossas demandas”, lamentou. “Não posso deixar de dizer que estamos sendo assassinadas e assassinados, de duas maneiras, principalmente nós, travestis e transexuais: fisicamente e mentalmente”, declarou. “Somos assassinadas a partir do momento em que uma pessoa olha para nós e não nos dá uma oportunidade, não nos vê como cidadãs e cidadãos, quando vamos à unidade de saúde e não somos atendidas com dignidade e não são respeitados os nomes com os quais nos identificamos”, exemplificou.

A militante criticou a ausência de políticas públicas, observando que, em Porto Alegre, havia em torno de 20 pessoas morando embaixo de um viaduto sem que houvesse uma casa de acolhimento para elas.

Sobre a questão educacional, indagou: “por que nós, travestis e transexuais, temos grande evasão escolar?”, lembrando que ela própria finalizaria seu curso de bacharel em Direito aos 43 anos, quando poderia tê-lo concluído mais cedo, não fosse o preconceito. “Como muitas irmãs e irmãos meus, LGBTs e trans, nós não temos essa oportunidade, porque somos assassinadas dentro da sala de aula”, disse.

Empatia e respeito

Coordenadora do Programa de Identidade de Gênero do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a médica psiquiatra Maria Inês Lobato expressou satisfação por se ver acompanhada, na audiência pública, de grande número de pessoas “pertencentes a um grupo que costumava ter dificuldade de interação social”. Ela descreveu a caminhada dos profissionais da área médica no atendimento às pessoas interessadas na cirurgia de redesignação sexual.

Contou que o serviço no Hospital de Clínicas iniciou em 1998, seguindo a orientação do Conselho Federal de Medicina, que, finalmente, normatizara “como se deveria organizar um tratamento médico para o grupo de indivíduos que tinham interesse de realizar uma transição cirúrgica e/ou hormonal de gênero”. Segundo ela, depois de aguardarem por dois anos (tempo exigido antes da realização do procedimento), houve imensa frustração com a ausência de previsão de pagamento do processo cirúrgico pelo SUS. Os pacientes, então, procuraram o Ministério Público Federal, que teria sido bastante sensível à causa na época, entrando com uma ação civil pública que só se encerrou realmente em 2011 ou 2012.

Ainda conforme a médica, durante essa trajetória, com cerca de 30 pacientes aguardando a cirurgia, conseguiram realizar um convênio com a Secretaria Estadual da Saúde, que assegurou o pagamento de duas cirurgias ao mês, enquanto o SUS não o fazia. “Houve muita resistência na época, com muitas críticas de pessoas achando que não era procedente”, contou.

Para a profissional, a pergunta que todo médico ou pessoa preocupada com os outros deveria se fazer era “o que eu gostaria se eu ou alguém das minhas relações afetivas estivesse no lugar do outro?”. Disse que no hospital, com um quadro de 6 mil funcionários, ainda tinham alguns problemas e precisavam investir na capacitação permanente do corpo técnico, mas que a empatia e o respeito eram fundamentais em qualquer atendimento.

Falando de Salvador (BA), a presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, Keila Simpson, defendeu políticas de saúde integral e lamentou o ambiente adverso decorrente do modo atual de se fazer política no país, que afetava mais intensamente a população trans.

O coordenador da Divisão de Promoção de Equidade em Saúde da Secretaria Estadual da Saúde, Péricles Nunes, relatou as ações promovidas pela pasta. Disse que, em 2020, tiveram a primeira política pública de promoção da equidade no país, por meio de consultas populares e oficinas macrorregionais. Uma das ações mais recentes para efetivação dessa política, segundo ele, teria sido o lançamento, em setembro, do novo programa de financiamento da atenção primária contendo um componente de incentivo à promoção da equidade. O programa previa a destinação de R$ 10 mil para municípios com até 10 mil habitantes e R$ 100 mil para aqueles com 1 milhão de habitantes ou mais a serem aplicados em ações de combate à violência de gênero e aos preconceitos. Além disso, relatou que o programa Assistir previa sete centros macrorregionais com ambulatórios para público trans.

Representando a Secretaria de Segurança Pública, André Luís Forti Scherer disse que era uma preocupação da pasta avançar na questão dos registros de ocorrência específicos da população LGBT, o que possibilitaria a obtenção de estatísticas mais precisas e a construção de uma política mais consistente na área. Lembrou projeto de lei de autoria da deputada Luciana Genro (PSol) propondo a inclusão dos itens “orientação sexual”, ”identidade de gênero” e ”nome social” nas ocorrências policiais.

Representando o Ministério Público, o promotor de Justiça Mauro Souza ponderou que o próprio documento de identidade já autorizava o uso do nome social, o que, a seu ver, dispensava a necessidade de uma lei estadual, ao que deputado Pepe Vargas observou que, embora permitido, nem todos, de fato, possuíam o nome social na carteira. O promotor também referiu a existência de iniciativas como a de uma reunião no dia de ontem que teria abordado a necessidade de capacitação dos membros e funcionários da instituição para o acolhimento adequado às demandas das pessoas que necessitassem de um tratamento igualitário que ainda não estivesse sendo feito.

A dirigente do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual, Aline Palermo Guimarães, por sua vez, citou uma série de avanços obtidos no tema, avaliando, porém, que era preciso avançar e evitar retrocessos. Destacou a importância da escuta qualificada e da superação de preconceitos, corroborando falas que a antecederam de que o ponto central em todo atendimento deveria ser a empatia, “não só cognitiva, mas emocional”.

Resistência

Representando a Polícia Civil, a delegada Andrea de Melo Reschke, diretora da Divisão de Proteção ao Idoso e Combate à Intolerância, contou que, desde que começou a trabalhar com a temática, surpreendeu-se com a resistência por parte da polícia e de outros órgãos no dia a dia, o que a levou a estabelecer uma espécie de planejamento de ações tanto internas quanto externas. “Infelizmente, há pessoas que têm preconceito e o externam no atendimento ao público”, reconheceu.

A audiência contou ainda com as participações da psicóloga Marianna Rodrigues, do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, que referiu as ações do órgão para banir terapias ultrapassadas; Célio Golin, do grupo Nuances, que apontou retrocessos no momento atual do país e a necessidade de a população não depender apenas da empatia da sociedade, mas de políticas públicas efetivas; Natasha Ferreira, assessora da deputada Luciana Genro (PSol), que também condenou retrocessos e a ausência de políticas públicas; Marilise de Souza, coordenadora da Divisão de Políticas Transversais da Secretaria Estadual da Saúde; Yasmin Angra Pereira, da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/RS; Thales Ávila Pedroso, do Coletivo Homens Trans em Ação; e Marcia Monks Jekel, coordenadora Regional Sul do Instituto Nacional de Mulheres Redesignadas, entre outros.

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